O direito das microempresas - ME e empresas de pequeno porte - EPP nas licitações
A LC nº 147/2014 e a reserva de participação nas licitações
Publicada a 8 de agosto de 2015, a Lei Complementar nº 147/2014 altera o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte – LC nº 123/2006, e cria novos mecanismos para fomentar o desenvolvimento das ME’s e EPP’s, visando o cumprimento do disposto no art. 179 da Constituição Federal.
Neste artigo abordaremos as inovações, de grande efeito, no âmbito das licitações e das compras públicas, refletidas no diaadia da administração e das empresas que atuam nesse mercado, percorrido o primeiro ano de vigência das alterações.
Na forma que dispõe o art. 47 da nova lei, “nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica”.
A obrigatoriedade da reserva de participação
Para cumprimento do disposto acima, o art. 48, na sequência, estabelece três prescrições à administração pública. Duas delas, presentes nos incisos I e III são objetivas e obrigatórias:
“Deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais)”
“Deverá estabelecer, em certames para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte.
A terceira prescrição estabelece a faculdade para a exigência de subcontratação de microempresa e empresa de pequeno porte, na aquisição de serviços e obras.
Em uma primeira análise, poder-se-ia argumentar sobre uma relatividade da norma posta no inciso I. Ora, a Administração deve realizar procedimento licitatório destinado a participação exclusiva da ME e EPP nos itens de contratação até oitenta mil reais, mas não necessariamente em todos. Ou seja, a imposição não seria de valor absoluto. Nesse sentido, a Administração atenderia à norma se, num universo de cinquenta certames licitatórios enquadrados na previsão, fizesse reserva de participação às ME´s e EPP´s em vinte deles, como exemplo.
Porém, é exatamente nesse ponto que a LC 147/2014 altera a disposição anterior da LC 123/2006, trazendo nova redação ao caput e ao inciso I do art. 48, revelando o claro intuito do legislador. As prescrições agora tidas obrigatórias, assim o são por força do imperativo “deverá” no início da sentença, em oposição ao termo “poderá”, utilizado para aquela prescrição de aplicação discricionária, a exemplo do inciso II, afastando qualquer dualidade na interpretação da norma.
“Poderá, em relação aos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços, exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte”
Assim, tem-se a obrigatoriedade da reserva de participação às ME´s e EPP´s, nos itens de disputa até oitenta mil reais, bem como no estabelecimento de cota de 25%, na aquisição de bens de natureza divisível.
As exceções à reserva de participação.
Não obstante o exposto acima, a própria LC nº 123/2006 prevê hipóteses em que a Administração estará desobrigada à reserva de participação. É o que diz o artigo 49, senão vejamos:
Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:
I – (revogado)
II - não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório
III - o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado
IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, excetuando-se as dispensas tratadas pelos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei, nas quais a compra deverá ser feita preferencialmente de microempresas e empresas de pequeno porte, aplicando-se o disposto no inciso I do art. 48.
Nesse ponto, faço destaque às exceções dos incisos II e III.
Não se aplica a reserva de participação “quando não houver um mínimo de 3 (três fornecedores competitivos enquadrados como ME ou EPP sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório.
O primeiro ponto é conceber o conceito proposto para os termos “local ou regionalmente”. Quais os critérios para a definição desses limites?
Há que se dizer, não por acaso, não há na lei essa definição. A melhor concepção e aplicação dos termos se dará a considerar as características econômico-comerciais e geográficas de cada região ou localidade, bem como a considerar a especialidade ou complexidade do objeto licitado.
Convencionou-se, então, que o administrador é que avaliará, em cada caso, a realidade do mercado, local e regional, em relação à oferta do bem ou serviço pretendido. Assim, se na localidade - o município, por exemplo – o mercado oferta tais bens ou serviços, por diferentes fornecedores, há que se considerar, aplicação do disposto no inciso II do art. 49, apenas o universo de empresas sediadas no município. Podemos citar como exemplo, a licitação para aquisição de gêneros alimentícios. Não havendo no município um mínimo de três mercados ou mini-mercados ali sediados, não se aplica a reserva, não sendo razoável justificar a existência de empresas enquadradas sediadas em municípios vizinhos para a aplicação da prerrogativa, dada a natureza comum do objeto.
Mas também, não é razoável argumentar a ausência de no mínimo três fornecedores de peças para manutenção de equipamentos importados, sediados no município, para irromper a prerrogativa, quando há na região considerável número de fornecedores que atendem a demanda e se enquadram no regime.
A aplicação do inciso III do art. 49 da LC 123/2006.
Outro dispositivo, não mesmo controverso, mas sem dúvida o de maior valia para a análise que se propõe, são os permissivos do inciso III. Vejamos:
“(Não se aplica) o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado
Ora, qualquer restrição à competitividade não pode ser vantajosa à administração pública! Diga-se, a restrição à competição, e mesmo o tratamento diferenciado, fere frontalmente a isonomia, princípio basilar da licitação. Mas é claro que o legislador considerou tão importante questão. Mas o que se vê é um juízo de valores, na expectativa de que os meios justifiquem os fins.
Importa-nos dizer, em todo caso, que a exceção (que nos parece regra) posta no inciso III é a ponte ou o passaporte das médias e grandes empresas, para participação em qualquer certame. Ora, bastante a manifestação do interesse e a propositura formal de oferta mais econômica para a materialização da hipótese de exceção do inciso III, com a consequente legitimação da participação da empresa não enquadrada.